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28 de novembro - pushempurre edições

2013

“AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH  HHHNÃO NÃO NÃO!!!!!!AAAAAAAAAA”O que foi Senhora?”AAAAAAAA AAAAAAAH NÃO ACREDITO!!!!!!”Senhora, por favor, o que foi?! POR DEUS! Fala!”AAAAAAAAAAAA MINHA BOLSA ESTOUROU!!!!!NÃO ACREDITO QUE MEU FILHO VAI NASCER A”Sua bolsa estourou?”QUI!! ALGUÉM ME TIRA DA”Chamem uma ambulância!! Rápido”QUI!! ALGUÉM ME TIRA DAQUI!! ALGUÉM ME TIRA DAQUI!!AAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH

 

Apesar de a mãe ter ultrapassado a idade ideal para ter um filho, aos 36 anos, seu trabalho de parto foi como imediato após o rompimento da bolsa do líquido amniótico. Seu filho veio ao mundo no cartório do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – COMARCA SÃO PAULO – FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA – 22ª VARA CRIMINAL (Avenida Doutor Abrahão Ribeiro, Nº 313, Barra Funda, São Paulo – SP – CEP 01133-020). O registro do menino deu-se de pronto aos 28 dias do mês de novembro do ano de 1984, às exatas 14 horas e 45 minutos.

 

A celebração foi inevitável: nunca fora registrado em território nacional um nascimento dentro de um cartório, como nunca haviam sido certificadas a nomeação, filiação, hora e data de nascimento de um novo cidadão com tamanha rapidez e agilidade. Contudo, nada disso gerou qualquer interesse midiático, nem mesmo do jornal do bairro e muito menos do jornal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

 

 Não livre de uma certa superstição (mesmo que sempre sob suspeita), a mãe acreditava que aquilo significava um tremendo mau agouro. À ela não foi oferecida a possibilidade de superação deste trauma, do qual nunca se recuperou. Todo ano o cartório enviava-lhe um cartão de aniversário assinado por todos os concursados da 22ª VARA CRIMINAL. Não eram economizadas as fotos do ato do nascimento – vistas repetidas vezes, pois sempre eram impressas dos mesmos arquivos digitais.

 

A criança em fase de alfabetização divertia-se lendo cada nome dos concursados da 22ª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL CRIMINAL DA BARRA FUNDA, esboçando um sorriso de conquista a cada sílaba, ainda que, sob aquele exercício lúdico, as palavras não significassem nada para ela.

 

A mãe sucumbiu durante a décima antecipação do aniversário do menino: ela já havia mudado de endereço umas tantas vezes, mas mesmo assim as cartas comemorativas dos concursados da 22ª VARA CRIMINAL encontravam seu destino; já havia retirado seu nome de todas as contas de utilidade e títulos bancários sem sucesso de escape à lembrança mórbida que assolava a data de nascimento de seu único filho; já havia pleiteado a mudança de seu número de CPF e RG, sem sucesso, e não possuía passaporte. Tudo sem efeito. No dia do décimo aniversário da criança, uma fotografia do interior do cartório da 22ª VARA CRIMINAL registrava na parede uma imagem emoldurada do menino recém-nascido e também uma outra aos 10 anos - resultado do estudo computadorizado do software ProphecyMaster 1. Registrava ainda, na mesma sala, a presença de todos os concursados e contratados desta instituição, com os sorrisos histéricos e desesperados – não obstante esperançosos – daqueles para os quais uma celebração tornou-se uma imposição comercial-burocrática, como o Natal.

 

Um golpe certeiro na mãe, que queimou a foto, a carta e o envelope dentro da pia do banheiro do quarto do menino antes dele chegar da aula de judô. Ela esperava que a fumaça defumasse o ambiente e livrasse o menino do mau agouro. Se a fumaça de fato defumou o mau agouro, não há como saber. O fato é que a mãe morreu de um fulminante câncer em seu fígado dali a seis meses, aos 46 anos de idade.

 

No dia 28 de novembro de 2012, às exatas 14 horas e 45 minutos, o menino foi de encontro aos concursados e contratados na 22ª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL CRIMINAL DA BARRA FUNDA (Avenida Doutor Abrahão Ribeiro, Nº 313, Barra Funda, São Paulo – SP – CEP 01133-020). Antes mesmo de conseguirem reconhecer o menino-hoje-homem (pois o software ProphecyMaster 1 é randômico e aleatório), este, com sucesso, abriu fogo com uma bazuca caseira de carbono e titânio (para, desapercebido, passar pelo detector de metal da entrada do FORO CENTRAL CRIMINAL DA BARRA FUNDA), projeto ao qual dedicou-se nos último 18 anos.

 

O FORO CRIMINAL começou a ser reerguido em outro logradouro. Nunca mais falou-se no assunto sobre o único nascimento registrado em cartório, mas fala-se sobre um ataque lunático-terrorista no dia 28 de novembro de 2012 na extinta 22ª VARA CRIMINAL. Especulações sobre as verdadeiras razões potencialmente criminosas desse ataque continuam inundando as páginas dos jornais, inclusive o da OAB. 

 

Desde o incidente, foi votada uma lei para que todos os tribunais do país sejam obrigados a manter duas ambulâncias com equipes de parteiras a postos 24h por dia, incluindo finais de semana, feriados e períodos de recesso.

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